ENTREGA URGENTE
Exposição individual Diego Oliveira
Curadoria Joardo Filho
Galeria da FAV
Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás (UFG)
A exposição abre o calendário de exposições da Galeria da FAV para 2025 e reforça o interesse em estabelecer parcerias com espaços de arte localizados na região Centro-Oeste, como foi em 2023, com “Sementes Sertanejas”, exposição em parceria com o “Sertão Negro Atelié e Escola de Arte”, e em 2024, na exposição “Telhado de Sonho” em parceria com “A Pilastra Galeria-Escola”.
Visitação: 24/03 à 25/04/2025
Horário: das 08 às 12h00 / 13 às 17h
Local: Galeria da FAV. Campus II - UFG
Zona de conforto (2020)
Fotos: Diego Oliveira
Texto por Joardo Filho, curador da mostra.
"As 09:48 de um dia comum, Diego Oliveira fotografa com seu celular o momento em que está prestes a adentrar o edifício no qual vai fazer uma entrega. Por estar diante de uma porta de vidro, o registro é um autorretrato de Diego no limiar entre o caos do ambiente externo e a hostilidade do interno. Suas feições estão escondidas por trás do seu traje, tornando-o anônimo na própria representação de si, mas reforçando os signos visuais de um motoboy. As fotografias da série Reflexão (2020-2021), que se repetem em entregas de outros dias, às 17:27 e às 14:10, podem ser vistas como a essência da obra desse artista, que, ao tecer reflexões sobre trabalho, faz questão de mostrar-se como artista-entregador.
Anteriormente, em Percepção (2019-2021), Diego Oliveira já havia demonstrado a força de uma pesquisa artística que insere o fazer fotográfico em sua rotina de trabalho, na qual realiza entregas de produtos odontológicos em diversas clínicas, geralmente localizadas em edifícios com acessos estreitos e não muito iluminados. Ele se posiciona n o espaço interno e fotografa a vida que se passa na rua. Percepção é um trabalho carregado de todo conhecimento e habilidade do artista-fotógrafo. Com um refinado jogo de claro e escuro, flagra suas cenas cotidianas como quem alinhou a mente, o olho e o coração. Mas Diego, que é um dedicado estudioso da História da Fotografia, vai além da influência francesa do parafraseado anteriormente Henri Cartier-Bresson e se utiliza da objetividade alemã de Bernd & Hilla Becher para transformar esse padrão de fotos em uma tipologia das entradas de edifícios comerciais do centro de Anápolis, com seu ponto de vista a partir de dentro.
Percepção poderia ser confundido com um exercício estético de alguém apaixonado pela fotografia. Mas é importante reforçar que a fotografia na produção desse artista-trabalhador é um dispositivo narrativo. Ou seja, ele insere a fotografia no cotidiano das entregas para gerar trabalhos estéticos e conceituais sobre sua realidade, refletindo também o funcionamento social que está operando à sua volta. No políptico apresentado na exposição, há vários transeuntes sobre os quais não somos capazes de saber praticamente nada. Já no tríptico da mesma série estão trabalhadores flagrados ocasionalmente em seus ofícios. Mas em Entrega 09:48, Entrega 17:27 e Entrega 14:10, da série Reflexão, sua dinâmica de pesquisa dá um novo passo. Diego começa a abrir mão do esmero estético para fazer uma fotografia que ele classifica como "suja", realizada com a mesma urgência de suas entregas. Nelas, ele se coloca explicitamente como personagem, como sujeito observador e participante dessa realidade que procura entender.
O artista-fotógrafo-entregador é alguém que vive e que performa a própria realidade. Em Zona de conforto (2020), Diego Oliveira se mostra em seu ambiente doméstico. Não mais nas ruas sobre a moto e sob o capacete, ele se posiciona em um canto de sua casa. Vê-se alguém aparentemente frágil e insignificante como outros elementos inanimados do quintal. A fotografia do autorretrato/performance permite ver um corpo inquieto, tão confortável como a realidade lhe permite.
Com uma obra que já tratava de forma complexa seu lugar no mundo, Diego Oliveira começa a trazer para seus trabalhos mais recentes também um imaginário das imagens em circulação. O artista-sertanejo identifica suas raízes goianas como algo que o distancia da cultura da moto hegemônica das metrópoles, onde foi forjada a simbologia do motoboy. Tendo crescido em São Francisco de Goiás e, agora, habitando Anápolis, Diego procura novas formas de se compreender na série Sertanejo Nato (2024). Ele começa investigando o híbrido moto-carroça, criando uma sequência com vídeos da internet no trabalho Colocar a moto na frente das carroças (2024). Assim como os outros binômios já mencionados ao longo do texto, a junção entre moto e carroça simboliza a identidade artística em constante construção de Diego Oliveira.
Por fim, temos uma apropriação da pesquisa conhecida como "The horse in motion", desenvolvida a partir da década de 1870 pelo inglês Eadweard Muybridge. A sequência de 16 fotografias dos movimentos de um cavalo é um dos maiores clássicos da fotografia, sendo também precursora do cinema. Já em 2022, o diretor estadunidense Jordan Peele especula em seu filme "Nope" sobre a identidade apagada por Muybridge do jóquei negro registrado nessas fotos. Diego Oliveira assimila tudo isso e vê nesse homem anônimo sobre um cavalo um precursor dos homens anônimos sobre motos. A horse and a delivery man (2024) tem a sobriedade da sua pesquisa fotográfica, posicionando-a na fronteira com o cinema, mas joga com o Pop ao sobrepor o monocromático com a mochila vermelha vibrante do Ifood. Nessa crescente manipulação de ideias, símbolos e mídias que passam pelo seu prisma sui generis, a própria produção de Diego parece tornar-se cada vez mais urgente."